“Meu filho é autista, não é mal educado!”, desabafa mãe em audiência pública

por Ana Paula Junqueira publicado 13/04/2022 16h46, última modificação 07/10/2024 09h07

As comissões de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CDDPD) e de Direitos Humanos e da Cidadania (CDHC) da Câmara Municipal de Jaboticabal realizou na quarta-feira (06/04) uma audiência pública para abordar os desafios enfrentados por pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e seus familiares.

Uma série de apontamentos foi feita pelos participantes, entre elas, a necessidade de campanhas para reduzir a discriminação e o preconceito que cercam as pessoas com TEA; ações de acolhimento e de orientação voltada para os pais de pessoas com TEA; a junção de equipes multidisciplinar da área da saúde e da educação; o oferecimento de palestras com especialistas da área voltada aos pais; bem como cursos de formação aos profissionais da educação e a oferta pelo poder público de métodos terapêuticos como o de Análise do Comportamento Aplicada (ABA).


Diretor do departamento de pessoas com Deficiência, Ronaldo Bolognese, fala, entre outros, da expectativa de realização de um Censo para mapear pessoas com deficiência no município.

A falta de dados oficiais sobre o número de pessoas com o espectro autista também foi apontada pelos vereadores Profa. Paula, que ocupa a presidência da CDDPD, Prof. Jonas, presidente da CDHC, e Val Barbieri, membro da CDDPD, como um fator que dificulta a elaboração de políticas públicas, uma vez que não se tem como traçar o leque de necessidades das pessoas diagnosticadas com TEA no município.

Neste sentido, o diretor do departamento de pessoas com Deficiência, vinculado à secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, Ronaldo Bolognese, contou que há uma expectativa de realização de um Censo para mapear quantas pessoas vivem com TEA e outras deficiências no Município. O censo ainda não tem data marcada para acontecer. “Estamos estudando essa questão de desenvolver o Censo no município para pessoas com deficiência [aprovado pela Câmara e que se transformou na Lei nº 5051/2020], onde nós vamos conseguir mapear melhor todo o aspecto que temos, das deficiências que temos em nosso município”, contou o dirigente.

De acordo com Cristiane Caraski, especialista em educação especial e supervisora de ensino municipal, a rede pública de ensino soma cerca de seis mil alunos, e está mapeando os já diagnosticados com TEA e os que estão em investigação. Até o momento, 29 alunos foram diagnosticados com espectro autista e 51 seguem em investigação na rede municipal de ensino. A supervisora destacou os convênios com entidades para o atendimento a pessoas com deficiência, entre elas a APAE. “As instituições nos acompanham muito com atendimento especializado de contraturno. Temos orientação com os pais, e estamos trazendo os familiares para dentro da escola”, disse Cristiane. Ainda segundo a supervisora, o Município estuda a possibilidade de ampliar os convênios, entre eles, com instituições que ofereçam o método ABA, para levar capacitação aos profissionais da educação.


Cristiane Caraski, especialista em educação especial e supervisora de ensino municipal, fala sobre ações feitas pelo Governo Municipal na área da educação.

Cristiane também afirmou que o Centro Municipal Multiprofissional deve começar a funcionar ainda neste ano. O atendimento inicial será “com crianças com transtorno de aprendizagem, como dislexia, discalculia, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), voltado para a base da alfabetização. Quando é uma deficiência já diagnosticada, que é algo que precisa de um acompanhamento diferenciado, temos as nossas entidades”, explicou.

FATORES GENÉTICOS E AMBIENTAIS – Especialistas são taxativos ao defender que o diagnóstico para TEA é complexo, e traz em seu guarda-chuva um amplo espectro que vai desde casos leves, que chamavam de Asperger, até pacientes com maior dificuldade de interação e graves empecilhos de comunicação.

Durante a audiência, Dr. Charles Marques Lourenço, médico geneticista e doutor em neurologia pela USP, explicou que o diagnóstico deve estar alicerçado em uma tríade de critérios: um problema na comunicação; distúrbios comportamentais ou sociais, ou desafios na socialização; e em geral apresentam comportamentos repetitivos ou tem interesses muito restritos em alguma área. Para o médico geneticista, há uma epidemia de diagnósticos errados de autismo. “A criança com autismo não necessariamente tem deficiência intelectual, mas existem crianças com deficiência intelectual que tem características autistas, e existem autistas que tem deficiência intelectual. Existe hiperatividade em crianças autistas? Sim, mas ser hiperativo não é ser autista”, esclareceu.


Dr. Charles Lourenço, representando a APAE, durante sua exposição.

Ainda de acordo com Dr. Charles, cerca de 140 genes podem estar relacionados a alguma faceta do espectro autista. Em cerca de 20 a 30% dos casos, se consegue descobrir uma causa genética. Fatores ambientais também podem levar ao TEA, como a fertilização in vitro, algum dano na hora do parto, algumas infecções da mãe durante a gravidez, exposição a pesticidas, ou uso de substancia tóxica, como o álcool, entre outros.

O estudo científico dos genes se justifica para o aconselhamento genético de famílias preocupadas em ter descendentes com espectro autista. Estudos norte-americanos mostram que “se o primeiro filho é autista, o risco de ter o segundo filho autista podia chegar a 8,6%, se já tinha dois ou três filhos autistas, o risco chegava a 35% de ter um quarto ou quinto filho autista. De 15% a 30% das crianças que preenchem critérios para o autismo, você descobre uma causa genética”, apresentou Dr. Charles.


Andreia Iughetti durante sua exposição na audiência pública.

Especialistas em áreas comportamentais, como a terapeuta ocupacional, Andreia Costa Cezar Iughetti, argumentam que as avaliações devem ser multiprofissionais, e pode levar certo tempo. Ela defende a necessidade da presença de profissionais de entidades dentro das escolas, para a oferta de palestras e acompanhamentos. “Quando temos um trabalho em conjunto, pais, escolas, profissionais, quando todos se envolvem, a gente percebe uma melhora na criança, e isso custa um prognóstico, porque lá na frente vai ser um adulto funcional”, acredita Andreia, que também chamou a atenção para a necessidade de empatia por parte dos profissionais para com os pais, sobretudo diante do acolhimento e da orientação. “Eles [os pais] estão vivendo um luto parental, enquanto os filhos não conseguem corresponder à expectativa deles. Gera um conflito na família. O diagnóstico é muito importante, mas os estímulos são mais. Porque a criança é muito mais do que um diagnóstico”, pontuou.


Lívia Okabe Biazibeti Botelho fala sobre o papel da fisioterapia na contribuição para pessoas com espectro autista e outras deficiências.

Por sua vez, a fisioterapeuta, especialista em neuropediatria pela UFSCAR, e atualmente conselheira tutelar, Lívia Okabe Biazibeti Botelho, falou do tripé para o desenvolvimento infantil, que está baseado nas questões fisiológicas do indivíduo, o ambiente e a atividade que lhe é proposta/oferecida, e também defende a junção de equipes multidisciplinares da área da saúde e da educação. “Juntos, somos elos de uma mesma corrente, objetivando a melhora da qualidade de vida e funcionalidade dessas crianças”. Ela ainda advertiu sobre a importância do desenvolvimento motor e do acompanhamento de um fisioterapeuta nas equipes multidisciplinares, seja em âmbito público ou privado. “A indicação de fisioterapia para a hipotonia (diminuição do tônus muscular), por exemplo, é totalmente relacionada a futuras alterações como a falta de controle postural. Além disso, temos [em espectro autista] a dificuldade de estruturação corporal, alteração da coordenação motora, de equilíbrio, alteração sensorial, sendo necessária aquisição de habilidade motora, alinhamento postural, estímulo equilíbrio para a aquisição de independência”, externou Lívia

DISCRIMINAÇÃO E LUTA – O dia a dia para pessoas com espectro autista e seus pais não é nada fácil. Pais de crianças autistas compartilharam algumas experiências dolorosas. É o caso de Samuel, professor de história da rede pública de ensino e pai de criança autista. Para ele, os desafios partem desde a aceitação por parte da família, do preconceito, da falta de profissionais na área da educação com perfil para trabalhar com alunos do espectro autista. “Temos muitos alunos que não tem diagnóstico e dificilmente vão ter. Isso depende dos pais e muitos pais não aceitam. E não é fácil mesmo! Eu fui o primeiro a não aceitar de jeito nenhum quando minha esposa desconfiou que meu menino era autista. Eu tive uma dificuldade enorme. Pensa: eu que já desconfiava, tive essa dificuldade, imagine uma pessoa sem nenhum tipo de instrução!”, desabafou o pai. Ainda segundo ele, há dificuldade de encontrar materiais pedagógicos para pessoas com TEA. “Existe material adaptado para alunos do 1º a 5º ano. Nunca consegui achar do 6º ao 9º ano adaptado aos alunos, nem pra comprar. Então a gente faz esse material. E nós buscamos o apoio de especialistas, porque não é apenas uma discussão municipal, é nacional. É necessário ampliar o debate, cobrar e buscar. Os alunos precisam”, defendeu Samuel.

 
Samuel e Alessandra, pais de criança autista.

A carteirinha de identificação também foi assunto. Para as mães presentes na audiência, ela não seria tão importante, não fosse a falta de empatia de muitas pessoas. Jaqueline, presidente da Associação dos Amigos dos Autistas (AMA) de Taquaritinga, que acompanhou a audiência ao lado do filho, diagnosticado com TEA e TDAH, contou que “a primeira coisa que eu fiz quando descobri o diagnóstico do meu filho, foi a carteirinha de identificação. Meu filho é autista, não é mal educado! É por isso que identifico ele [com a carteirinha]. Não é nem pela questão de prioridade, mas pela questão de explicar o que o meu filho tem, e por isso que ele se comporta assim. A gente tem que ir a luta, fazer a lei ser cumprida, e não esconder nossos filhos. Ele precisa ser incluído. A gente tem que mostrar pro mundo que nosso filho tem uma deficiência, e que ele precisa ser aceito”, disparou Jaqueline.


Jaqueline fala sobre a importância carteirinha de identificação: "Meu filho é autista, não é mal educado! É por isso que identifico ele [com a carteirinha]..."

Alessandra, que também tem filho autista, emendou: “Muitas vezes, mães escutam: – ‘Ai, que menino sem educação, não sabe esperar!’ Mas [esta pessoa que julga] não sabe o que está acontecendo. Não sabe que ele [com TEA] está tendo uma crise sensorial naquele momento. Ou ele está tendo vários estímulos. E aí, como fica? Carteirinha é pra isso também”. Alessandra ainda manifestou a necessidade do poder público em levar mais informações e palestras, voltadas para os pais, por pessoas que entendam do assunto. “A gente ainda tem um pouco mais de informação, a gente lê, e aqueles pais que não tem? Como que ficam? A gente tem que ajudar. Cadê ajuda? Muitas vezes não tem”, disse ela, que contou sobre o benefício trazido pelo método ABA ao seu filho, e sugeriu a implantação na rede pública do município.

“No método ABA, o trabalho é individualizado, respeitando o repertório da pessoa com espectro autista, seja pra uma adaptação de atividade, seja para adaptação curricular. A frequência de acompanhamento especializado é importante para a obtenção de um resultado consistente.”, destacou Jaqueline, responsável pela clínica Limiar Educação Especializada e Intervenção Comportamental para pessoas com TEA em Jaboticabal, e que acompanhou a audiência.

Em Jaboticabal, para solicitar a carteirinha de identificação de TEA, basta comparecer na Av. Libero Badaró, 680, Centro, na Casa do Bolsa Família. Levar RG, CPF, Certidão de Nascimento, comprovante de endereço, foto 3x4 e relatório médico.

A íntegra da audiência pública está disponível no canal da Câmara no YouTube (https://www.youtube.com/CamaraMunicipaldeJaboticabal).



Assessoria de Comunicação
Fonte: Câmara Municipal de Jaboticabal (Reprodução autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Jaboticabal)
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